A evolução da democracia
Transição política em Portugal
A Capital, 26 de abril, 1974
A luta por Portugal, por Colin Legum (the Observer, Londres, 15 de junho, 1975).
O Programa do MFA
O processo de democratização da sociedade portuguesa ficou marcada por uma forte agitação social e pelo confronto violento de projetos políticos opostos. Ficava a incógnita sobre que tipo de democracia a sociedade deveria escolher.
Vasco Lourenço referiu que:
(...) os objetivos, que nos uniram ao grande grupo dos militares de Abril, do MFA, que foi a necessidade de resolver o problema da guerra, para isso, a necessidade de democratizar o país, e criar condições para o país se desenvolver. Isso foi aquilo que nos uniu, o essencial para o 25 de Abril. Na questão da democratização, era fundamental como nós decidimos concretizá-la, fazer eleições livres, no prazo de 1 ano, para uma Assembleia Constituinte, que depois aprovasse uma Constituição, porque os militares, numa atitude única em toda a história Universal, e por isso é que hoje o 25 de Abril é tão único, derrubaram uma ditadura e não quiseram ficar com o poder. Entregaram-no à sociedade, através de formas democráticas.
No entanto, (...) havia dentro do movimento um grupo com um projeto de poder pessoal, à volta do general Spínola. E tentou em impô-lo e implementá-lo. Tentou logo no dia 25 de Abril à noite, ainda no posto de comando, dizer "O programa político já não é preciso, já resolvemos o problema e agora já não é preciso", e houve alguém que disse "General, os tanques ainda estão na rua, o senhor comprometeu-se com este programa, ou o aceita, ou o senhor sai pela porta fora e nós continuamos". O que é facto é que conseguiu mesmo assim algumas alterações ao programa político, nomeadamente no aspeto do direito dos povos à autodeterminação e independência, portanto, da questão colonial, que vem provocar o aceleramento das ações de guerra dos movimentos de libertação,
O lema adotado por Portugal depois do 25 de abril foi “Democratizar, Descolonizar e Desenvolver”. Surge a Junta de Salvação Nacional, presidida pelo General Spínola, mais tarde nomeado Presidente da República, que tinha a função de assegurar que o Governo Provisório seguisse o Programa do MFA. A democratização do país era um dos principais objetivos do MFA, e em 2 anos foram eleitos deputados para a Assembleia Constituinte, a Assembleia da República, para Presidente da República e autarcas.
O 1.º de Maio
Nas comemorações do 1.º de Maio de 1975, dia do trabalhador, Mário Soares e Álvaro Cunhal, foram recebidos entusiasticamente pela população. Os dois políticos encontraram-se no Estádio 1.º de Maio, para onde convergiram as manifestações em Lisboa.
Em todo o país sucederam-se manifestações, em muitos casos em conjunto com as forças militares. Nos dias seguintes, aceleraram-se as ações de ocupação de edifícios desabitados para fins políticos e sociais, e efetuou-se um grande número de mudanças na toponímia.
Diário de Lisboa, 2 de maio, 1974
O Processo Revolucionário
Portugal sob pressão, por Kenneth Maxwell, (The New York Review, 29 de maio, 1975).
Os governos provisórios
A 16 de maio de 1974, tomou posse o I Governo Provisório. No entanto, as divergências que cedo se fizeram sentir na sociedade portuguesa apressaram a queda deste governo, menos de um mês depois, em julho de 1974. Entre a queda do I Governo Provisório e a aprovação da Constituição de 1976, sucederam-se mais cinco governos.
Vasco Gonçalves, presidiu os II, III, IV e V governos provisórios e esta correspondeu à fase de maior aceleração do processo revolucionário. O último Governo Provisório, o VI, toma posse em setembro de 1975 e seria chefiado por José Pinheiro de Azevedo.
Os golpes contrarrevolucionários
Após o 1.º de Maio, a unidade inicial começou dispersar-se. Os partidos não se entendiam sobre que tipo de sociedade deveria ser contruída, tendo ideologias diferentes. Para além disso, ainda havia setores da extrema-direita que tentava travar os avanços da revolução.
Luís Naves, jornalista, no seu livro Portugal visto pela CIA, retrata a cautela e até perplexidade com que os Estados Unidos da América acompanhavam o Processo Revolucionário Português.
Esquerda Socialista, n.º especial, 13 de março, 1975
Nas palavras de Vasco Lourenço:
A seguir ao 25 de Abril há efetivamente uma tentativa de influenciar a evolução do processo em Portugal, quer por parte dos Estados Unidos, quer por parte da União Soviética. Dizia-se na altura que Cascais era sítio do mundo que tinha mais espiões por metro quadrado. Eu penso que, a seguir ao 25 de Abril isso voltou a acontecer, caíram aqui em Portugal espiões de todo o lado, era uma coisa tremenda. E tentaram influenciar-nos fortemente, e eu acho que nós tivemos a capacidade para manter um posicionamento, como eu costumava dizer juntamente com Melo Antunes, radicalmente autónomo e independente em relação a todos. E portanto, tivemos aqui, a certa altura, os Americanos através do Secretário de Estado deles, que achava que Portugal podia ser a vacina da Europa, isto é, deixava que se instalasse aqui o comunismo, a seguir seria tão mal tratado que nunca mais nenhum país europeu teria a habilidade de pensar em instalar o comunismo. Os Soviéticos tentaram forçar, apesar de dizerem que respeitavam a separação de terrenos, o "Tratado de Tordesilhas" que havia na altura, a separação entre os Americanos e os Soviéticos, e Portugal estava num espaço americano. Os Soviéticos diziam que respeitavam mas tentaram, em certa medida, criar aqui uma espécie de segunda Cuba, e nós tivemos que impor, e andamos, como eu costumo dizer, andamos a prendermo-nos uns aos outros, para impor as promessas que tínhamos feito, de liberdade e de democracia, e conseguir, de facto, que a democracia se consolidasse em Portugal, continuando a vigorar, passados 46 anos.
A partir do 28 de setembro de 1974, começa a radicalização da revolução portuguesa e, de forma mais evidente, a partir do 11 de Março de 1975. O autor Luís Naves, explica que a CIA ficou intrigada com a viragem à esquerda da sociedade portuguesa e como se estava a tornar um pesadelo político ocidental, correndo o risco da democratização ser desviada na direção de um novo regime autoritário que tanto podia ser de direita como de esquerda.
Temos que esclarecer que estes dados da CIA, apresentados pelo autor, correspondem a documentação recolhida nos arquivos da CIA e obtida por Eric Frattini. São vigias e avaliação sobre o que se estava a passar em Portugal. Não contém, obviamente, planos ou intervenções da CIA.
Obedecendo à cronologia dos eventos, o primeiro golpe contrarrevolucionário teve origem na convocação de uma manifestação de apoio ao general Spínola, então Presidente da República, que visava o reforço da posição política deste militar. A manifestação, apelidada de “Maioria Silenciosa”, de tendências anticomunistas e de defesa de um projeto federalista da situação colonial, marcada para o dia 28 de setembro de 1974, procurava reunir os setores mais conservadores da sociedade portuguesa civil e militar. As intenções dos manifestantes foram travadas, e Spínola renunciou ao cargo de Presidente da República, tendo sido substituído pelo general Francisco da Costa Gomes.
A 11 de março de 1975, verificou-se uma tentativa de golpe de direita, sem êxito, que teve como consequência o triunfo do setor mais radical e esquerdista do MFA, o que conduziu a uma aceleração do processo revolucionário. Na sequência deste acontecimento, a 14 de março, numa Assembleia do MFA, foi instituído o Conselho da Revolução, que passou a substituir a Junta de Salvação Nacional e o Conselho de Estado.
Sobre este momento, Vasco Lourenço explica:
(...) E o Spínola, que não é escolhido para Presidente da Junta, e portanto para Presidente da República por nós, porque nós escolhemos o Costa Gomes (…) O que é facto é que Spínola ficou Presidente da República e tentou impor o seu projeto pessoal, e fez várias tentativas, a primeira é logo em julho, que ficou conhecido por golpe Palma Carlos, depois vem o 28 de setembro, que faz com que o Spínola resigna-se e saia da presidência da república e avance o Costa Gomes, e depois vem o 11 de março de 1975 que é a tentativa desesperada que o Spínola faz, alegando nós não queríamos realizar as eleições, e deixando-se escorregar numa casca de banana que lhe puseram na frente, que foi a invenção de uma Matança da Páscoa, da matança de 1500 pessoas, nas quais estava Spínola, uma invenção, com que ninguém viu essa lista, não faço a mínima ideia, foi claramente uma invenção. Faz o 11 de março e o que é que acontece? Cada vez que se tenta este golpe à direita contra o programa MFA, isso falha, abre-se espaço para que, à esquerda, se dê aquilo que se dizia que era um salto qualitativo. E a certa altura a seguir ao 11 de março, o que se passa é que dentro do movimento, isto já vinha a acontecer um tempo desde o 28 de setembro, já havia sinais disso, aparece uma fação a dizer que o movimento se devia transformar numa Vanguarda revolucionária impor uma revolução socialista. Começam a surgir as forças de extrema-esquerda, que na prática têm atitudes que só favorecem a extrema-direita, e começa, fortemente infiltradas pela CIA, desde sempre, há um episódio que é o assalto à Embaixada de Espanha, em setembro de 1975, está absolutamente comprovado que é a CIA que está por trás disso, é a extrema-esquerda, mas empurrado pela CIA. O que é facto é que tudo isso põe em causa o objetivo principal que nos teria unido até aí, que era eleições para a Assembleia Constituinte.
O Conselho da Revolução
A 17 de março de 1975, toma posse o Conselho da Revolução, que foi instituído na sequência do 11 de Março de 1975, como organismo político militar. Foi criado como instrumento de intensificação da participação das Forças Armadas na vida social e política do país. Tinha como funções vigiar o cumprimento do Programa do MFA e garantir ao povo português a segurança, confiança e a tranquilidade que lhe permitissem continuar com determinação a reconstrução nacional.
Integravam este órgão o Presidente da República, o chefe e o vice-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, os chefes dos Estados-Maiores dos três ramos das Forças Armadas, o comandante-adjunto do COPCON, a Comissão Coordenadora do Programa do Movimento das Forças Armadas, e oito elementos a designar pelo Movimento das Forças Armadas. Do Conselho de Revolução faziam também parte todos os membros da extinta Junta de Salvação Nacional e o primeiro-ministro, se fosse militar.
Na sua primeira reunião o Conselho da Revolução decretou a nacionalização de vários setores da economia, como a banca e os seguros, a que se seguiram os grandes grupos económicos e, já em 1976, várias empresas ligadas à comunicação social e detentoras dos principais jornais da época. As nacionalizações, que abrangeram a maioria dos grupos empresariais portugueses, mantiveram-se até 1989, ano em que uma revisão constitucional permitiu que se iniciasse um processo de privatização das empresas nacionalizadas.
A descolonização
Após treze anos de luta armada, com o golpe militar de 25 de Abril, inicia-se o processo de negociações politicas para a independência das colónias portuguesas. O Governo estava a ser pressionado pelos movimentos de libertação das colónias, pela ONU e a OUA (Organização da Unidade Africana). O processo da descolonização foi iniciado em julho de 1974, com a negociação dos termos de entrega das colónias aos movimentos de libertação: Guiné-Bissau (setembro de 1974), Moçambique (junho de 1975), Cabo Verde e São Tomé e Príncipe (julho de 1975), Angola (novembro 1975). Macau foi entregue à China em 1999 e Timor-Leste, depois da resistência à ocupação Indonésia, conheceu a independência apenas em 2002.
Entre 1974 e 1979, estima-se que entre 500 000 e 800 000 colonos portugueses abandonaram África como resultado da descolonização. Em Portugal foram nomeadas de “retornados”, mas muitos já tinham nascido lá, sendo, para esses, o termo mais apropriado de “refugiados”.
Estes migrantes "pós-coloniais", na confusão da fuga deixam a maioria dos seus bens, fugidos da guerra e da violência que se instalara nos territórios coloniais. O dinheiro que tinham não valia nada na metrópole, sendo necessário atribuir subsídios de acolhimento mínimo, encaminhá-los para casa de familiares, pensões hotéis, etc. Cá, muitos deles, ainda sofreram de preconceito.
Fizemos algumas entrevistas a retornados que, inserimos na perspetiva local.
As eleições para a Constituinte
No dia 25 de abril de 1975, quando se completava um ano sobre a Revolução dos Cravos, realizaram-se as primeiras eleições livres por sufrágio universal e direto. Este tinha sido um dos principais objetivos do Programa do MFA, apesar do avanço das forças revolucionárias, mais radicais, que pretendiam impedir a realização do ato eleitoral. Foram eleitos duzentos e cinquenta deputados. A Assembleia iniciou os seus trabalhos a 2 de junho e, a 2 de abril de 1976, os deputados deram por concluída a redação do principal documento legislativo do regime democrático – a Constituição de 1976, que entrou em vigor a 25 de abril do mesmo ano.
Eleições 1975
Partido Socialista (PS) – 116 deputados
Partido Popular Democrático (PPD) – 81 deputados
Partido comunista Português (PCP) – 30 deputados
Partido do Centro Democrático Social (CDS) – 16 deputados
Movimento Democrático Português (MDP/CDE) – 5 deputados
União Democrática Popular (UDP) – 1 deputado
Associação de Defesa dos Interesses de Macau (ADIM) – 1 deputado
O 25 de novembro de 1975
De 25 de Abril a 25 de novembro de 1975, decorre o período de maior tensão e mais conhecido por “Verão Quente de 75”. Os grupos políticos radicais, não ficaram agradados com os resultados políticos. Nas ruas sucediam-se manifestações, ocupações de terras, no âmbito da Reforma Agrária, provocando inúmeros confrontos. A Assembleia Constituinte chegou a estar cercada, o Governo autossuspendeu-se de funções e, ainda, a escalada contrarrevolucionária, desencadeada por grupos de extrema-direita ligados ao general Spínola, então no exílio.
O MFA, por seu turno, também refletia as divisões que se verificavam na sociedade, podendo intensificar-se três linhas distintas no Movimento: uma linha mais moderada em torno de Vasco Lourenço, Vítor Alves e Melo Antunes; uma linha liderada pelo primeiro-ministro Vasco Gonçalves; e uma terceira próxima de Otelo Saraiva de Carvalho e do COPCON. Durante o verão de 1975, as posições foram-se radicalizando, e o país encontrava-se à beira da guerra civil.
Em agosto, surgiu o chamado "Documento dos Nove", sendo o único documento a denunciar a falsa unidade do movimento, bem como a incompatibilidade dos projetos políticos. Obteve a aliança tática de Otelo, modificando a relação de forças no seio do MFA, com o isolamento da corrente gonçalvista. A extrema-esquerda, porém, continuou a apostar em ações de rua, num crescendo de violência que culminou no golpe extremista de 25 de novembro de 1975, em que, perante a indecisão do comando do COPCON, os militares moderados, com o apoio dos partidos democráticos, conseguiram triunfar. Com o golpe militar falhado de 25 de novembro de 1975 terminaram as tentativas de esquerda revolucionária de tomar o poder e partiu-se rumo à implantação de uma democracia liberal.
Segundo Vasco Lourenço:
(...) O 25 de novembro põe nos carris novamente o 25 de abril, põe nos carris o programa do MFA, e impõe a solução democrática, cria condições para que a Assembleia Constituinte possa aprovar livremente uma Constituição. E depois, a solução de seguida, que é a criação de um órgão de soberania formado por militares com poderes próprios, que era o Concelho da Revolução. Durante um período de transição, que estava previsto que fossem 4 anos e acabou por durar 6, mas durante um período de transição, consegue a consolidação da democracia, e evita que o 25 de novembro se transforme num novo 28 de maio, como houve em 1926, e que depois deu origem à ditadura militar, e depois mais tarde ao Estado Novo, que nos reprimiu durante 48 anos. Portanto, é evidente que a olhar para esse Verão Quente, houve situações muito complicadas.
Cometeram-se erros? Cometeram-se, só não queima as mãos quem não mete as mãos no lume. Portanto, agora eu posso, por exemplo, chamar-vos a atenção para isto, quando dizem que foi terrível, etc. etc., eu pergunto quantas mortes é que houve, porque havia notícias nos jornais em que Portugal estava a ferro e fogo, mortes na rua, quantas mortes é que houve em 74 e 75? Houve só as mortes provocadas pela extrema-direita.
Quando questionamos Vasco Lourenço sobre se estivemos perto de uma guerra civil:
Eu diria que sim, que estivemos próximos da Guerra Civil. Em cima do 25 de novembro de 1975, aí a partir do princípio de novembro, a situação agudizou-se de tal maneira que nós estivemos perto da guerra civil. A seguir a ter havido um cerco à Assembleia Constituinte pelos trabalhadores Metalúrgicos da cintura industrial de Lisboa houve quem defendesse a retirada da Assembleia constituinte para o Porto, porque o país estava relativamente dividido, falava-se no Rio Maior, não sei se sabem, é um pouco a Norte daqui de Lisboa, e dizia-se que para lá do Rio Maior a situação era outra (…) E dentro dos militares, nomeadamente dentro do grupo dos nove, houve quem defendesse a solução de retirarmo-nos para o Porto, com as forças militares que, se estivessem ainda do nosso lado, saíssem e nos acompanhassem (…) na altura fui eu que me opus a essa solução, vetei, com alguns a dizer "Mas tu não tens o direito de veto", mas eu veto, não admito essa solução, isso será a Guerra Civil. E portanto, nós vamos ter de ficar aqui em Lisboa, vamos ter que garantir o apoio do Presidente da República, porque institucionalmente terá muito peso (…) Tenho o hábito de tentar não ser exageradamente humilde, e quando acho que fiz alguma coisa que acho que é positivo não escondo e assumo. E portanto, considero-me um dos dois principais responsáveis, juntamente com o general Costa Gomes, por termos evitado a guerra civil nessa altura.
Se esteve perto? É evidente que há quem diga que não, mas esteve muito perto, e como eu costumo dizer, essa é outra vitória do 25 de novembro, conseguimos evitar o pior. E evitar o pior quando se pôs travão ao que a extrema-direita queria fazer. (...) E de facto, não foi fácil, mas a Guerra Civil, que esteve perto, felizmente foi evitada.