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Entrevista a Manuel Silva

Barcelense, nascido em 1951. Foi quem transportou Marcello Caetano e dois ministros (Rui Patrício e Moreira Baptista) na sua Chaimite "Bula" do Quartel do Carmo para o Quartel da Pontinha, Posto de Comando do MFA.

Foi colocado na Escola Prática de Cavalaria em Santarém onde tirou a especialidade de Blindados. 

No dia do Golpe, com 22 anos, saiu na coluna da Escola Prática de Cavalaria comandada por Salgueiro Maia e participou nos principais movimentos. 

Imagem cedida pelo Sr. Manuel Silva, imagem recortada.

E- Poderia falar-nos um pouco sobre o 25 de abril de 1974 e o que é que o senhor estava a fazer nesse dia?

M- Eu estava a cumprir o serviço militar obrigatório na Escola Prática de Cavalaria em Santarém, era furriel nesse ano e fui na coluna militar do saudoso capitão Salgueiro Maia a comandar a chaimite "Bula" que é um dos símbolos do 25 de Abril. Estivemos dois ou três dias antes a preparar as viaturas, os furriéis do esquadrão de reconhecimento que estavam mais à frente com os soldados e encarregados das viaturas, até que, no dia 24 às 11:20 da noite saiu a primeira senha, uma canção interpretada por Paulo Carvalho, que assinalava a preparação das ações militares a nível de comandos.

A segunda senha deu-se entre a meia-noite e a meia-noite e 20 e era o "Grândola Vila Morena" dando o sinal para iniciar as operações.

A partir daí, os furriéis, soldados, estroendes e cadetes que estavam a tirar o curso em Santarém começaram a acordar. Fomos reunir-nos com os oficiais do movimento, o primeiro comandante que não pernoitava lá, nesse dia tinha ido para Lisboa, o segundo comandante foi preso por que não aderiu, portanto, o comandante Salgueiro Maia avisou o que se ia passar, quem quisesse avançar com ele para Lisboa que desse um passo em frente, quem não quisesse podia ficar no quartel, ou, se não concordavam podiam sair. Toda a gente aderiu e a partir daí o problema foi formar os esquadrões que foram para Lisboa. Um esquadrão de reconhecimento com viaturas militares, e um esquadrão de atiradores da cavalaria.

Saímos de Santarém perto das 3.00 horas da manhã, com o objetivo de ocupar o Terreiro do Paço onde se encontravam os ministérios.

Entretanto para nossa surpresa, já depois das 6:00 da manhã o ministro da defesa encontrava-se no ministério do exército a trabalhar, visto que depois do 16 de março, nas Caldas da Rainha, onde eu também participei, como parte da coluna militar de Santarém para intercetar os das Caldas pois tinha havido um boicote e nós estávamos a tentar arranjar-lhes tempo para eles chegarem ao quartel. De santarém às Caldas demorámos 8 horas, pois vínhamos a cortar tubos às viaturas, ou a metê-las nas valetas, fazendo com que só chegássemos às 4:00 da tarde.

Voltando atrás, quando chegamos a Lisboa fomos surpreendidos por um esquadrão de reconhecimento composto por militares de cavalaria 7 às ordens do governo e comandados por David Silva, que tinha sido transferido de Santarém, e que após as negociações com o capitão Salgueiro Maia ele passou o seu esquadrão para o nosso lado.

Entretanto vem um segundo esquadrão de reconhecimento, a comando do coronel Ferrand de Almeida da cavalaria 7.

Após várias negociações, o coronel foi preso, e os militares acabaram por passar para o nosso lado.

Entre as 7:00 e 8:00 da manhã chegaram 4 carros de combate, que tinham mais poder de fogo do que nós, e assim que os vimos na rua atrás de nós, 2 de cada lado.

Desta vez as negociações eram com o brigadeiro Junqueira dos Reis demoraram muito mais tempo, e acabaram com o brigadeiro a dar ordens para disparar contra as tropas de Santarém.

Estas ordens não foram obedecidas, e, entretanto, já se haviam juntado milhares de pessoas.

E perante esta situação todos se apercebem, que se houvesse um único tiro, iriam haver muitas consequências, e para piorar, havia ainda a artilharia que estava no morro do Cristo Rei que estavam já apontados, para mal houvesse o primeiro tiro eles disparavam sobre o tanque.

Aparecem então 6 fragatas, que ao saírem da barra receberam ordens do governo para regressar e disparar sobre as tropas de cavalaria de Santarém.

Nesta altura nós estávamos cercados e apesar de ninguém ter disparado houve prisioneiros, nisto o brigadeiro Junqueira dos Reis, sobe para um tanque onde estava o cabo apontador José Alves Costa, e pediu-lhe para disparar, ameaçando matá-lo.

O homem entra no carro de combate, mas ao ver que se disparasse iria haver muitas mortes, este decidiu não disparar, salvando assim milhares de pessoas. Salgueiro Maia, que se dirigia agora aos carros de combate do brigadeiro, estando sobre perigo de que um deles disparasse, aqui, José Costa Gomes vira as torres em sinal de que não iria disparar.

Um passou logo para o nosso lado, mas o outro ficou lá.

Recebemos depois novas ordens, a coluna foi dividida em duas, sendo uma para ocupar a Legião Portuguesa, e a nossa era para ir ao Quartel do Carmo onde se encontrava o professor Marcello Caetano.

 

E- Quem ia para Lisboa tencionava iniciar um conflito, ou pensavam que iriam resolver tudo democraticamente?

M- Nós quando saímos de Santarém não sabíamos o que iríamos encontrar. Nós tínhamos uma missão: derrubar o governo. Salgueiro Maia tinha dito: -” há Estados comunistas, há Estados socialistas, há Estados fascistas e há o estado a que tudo isto chegou”, estávamos na guerra colonial, estávamos sobre censura, e milhares de outras coisas. Era um país amordaçado, onde só havia um partido e nem todos poderiam votar, milhares de jovens morriam na guerra, isso acrescentando os traumas e feridas que ainda hoje muitos têm.

Voltando à pergunta, quando saímos em missão, nós já sabíamos ao que íamos, pois era preciso preparar tudo. A única coisa que nós não sabíamos era a hora e o dia, eu só soube a senha no dia 24 perto das 12:00 porque o Salgueiro Maia disse.

De resto, desde 16 de Março e do boicote da coluna de Santarém, tudo isto encaminhava para o golpe de Estado. Principalmente desde que saiu o livro: "Portugal e o futuro” do general Spínola, foi um livro que passou a censura e acabou por abalar o regime.

Esta revolução foi a única revolução portuguesa na qual não houve sangue por parte dos militares. O único sangue que houve foi por que a PIDE metralhou a população já depois da rendição de Marcello Caetano.

 

E- Durante a transferência de Marcello Caetano para o quartel da pontinha, queríamos saber se teve a oportunidade de falar com ele.

 

M- Eu vou continuar de onde estava. Quando chegamos do terreiro do Paço começaram as negociações para a rendição de Marcello Caetano e dos ministros que estavam com ele.

As negociações estavam num impasse, até que eu recebi ordens para, através da Chaimite, mandar uma rajada de balas, de maneira a não acertar ninguém.

Após as rajadas, houve uma chamada entre Marcello Caetano ao general Spínola, porque Marcello não queria entregar o poder a um simples capitão sendo que o poder não poderia cair na rua.

Marcello Caetano rende-se, tendo sida garantida a sua segurança.

A viatura que eu comandava foi escolhida para fazer o transporte. Eu, que nunca o tinha visto pessoalmente, olhei para ele e vi um homem que num dia tinha o País na mão e estava naquele momento a ser escoltado. Percebi ainda que apesar de eu não ter dormido na última noite, ele já não dormia desde que se tinha refugiado.

Ao entrarem na viatura, eu ouço Marcello a dizer com uma voz trémula: “É a vida”. Durante o trajeto, Marcello manteve sempre a postura, apesar de se notar que estava cabisbaixo, mas o maior problema foi à partida, porque havia milhares e milhares de pessoas à volta da viatura, fazendo com que apesar das várias toneladas que esta pesava, a viatura ia a abanar, e só se ouviam pessoas, a gritarem por justiça.

Durante o resto da viagem, Marcello e os ministros mantiveram-se cabisbaixos, e ao vê-lo naquela situação, não tive coragem de lhe dizer nada.

Ao chegar ao Quartel, estavam lá os oficiais do movimento a receber-nos, e entreguei os detidos aos meus superiores.

 

E- Quais são as principais diferenças de Barcelos da altura para a atualidade. Ou seja, antes e depois do 25 de Abril de 1974?

 

M- O que era Barcelos e o que é. Aquando do 25 de Abril toda a gente soube que eu tinha participado. Barcelos era um concelho muito retrógrado onde havia muito alfabetismo. Lembro-me sempre que depois do 25 de abril toda a gente dizia que era comunista, depois já era socialista. Isto foi um dos efeitos do 25 de abril, dando-nos uma oportunidade de escolher, de votar.

Entrevista presencial, gravada em áudio e transcrita.

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Estas imagens foram cedidas pelo Sr. Manuel Silva. Fazem parte da sua coleção pessoal.

Imagem 1 - O Sr. Manuel Silva está em destaque em cima da Chaimite "Bula".

Imagem 2 - Mostra o momento em que a população cercou a Chaimite "Bula", chegaram mesmo a empurrar a Chaimite como se pretendessem fazer justiça com as próprias mãos.

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