A evolução da democracia
Transição política em Portugal
Perspetiva Local
Barcelos
Vídeo do youtube, da autoria 360portugal
Barcelos é uma cidade do distrito de Braga, região do Norte e sub-região do Cávado, com cerca de 20 625 habitantes. É sede de um município com 120 391 habitantes, subdividido em 61 freguesias.
As informações, fontes sobre Barcelos, no período da transição política são poucas, pelo que tivemos que pesquisar dados eleitorais e basear as nossas comparações com a literatura existente e testemunhos de quem viveu a época.
O dia do 25 de Abril de 1974, foi vivido pela população barcelense através da rádio. Nas aldeias as pessoas foram trabalhar normalmente, mas na cidade as fábricas fecharam, como relembra Irene Rodrigues Duarte, de 66 anos, uma das nossas entrevistadas.
João Lourenço, 69 anos, já era professor, no antigo liceu de Barcelos, quando se deu o 25 de Abril. Relembra que, nesse dia, estava na sala dos professores quando o Reitor informou o que se estava a passar e ficou decidido que não se dava aulas. Com um sorriso no rosto exclamou que foi um dia muito feliz para ele. Desde jovem que era muito crítico do regime e não concordava com o facto de a população não poder eleger livremente os seus governantes. No seu testemunho, deu informações muito ricas sobre a oposição política desses tempos, explicou que eram nas universidades que os partidos aproveitavam para fazer a sua propaganda política, principalmente nas associações de estudantes.
Continuou o seu testemunho referindo que no dia a seguir, 26 de Abril, os dirigentes do movimento democrático, discursaram na varanda da Câmara Municipal de Barcelos para uma plateia de algumas centenas de pessoas.
Oposição barcelense:
No plano político, fizemos muitas pesquisas e falamos com algumas pessoas que viveram esse período. Numa das nossas pesquisas tivemos acesso a uma notícia de uma exposição sobre "Barcelos: a oposição democrática e o 25 de Abril de 1974" no Salão Nobre da Câmara Municipal.
Passamos muito tempo na biblioteca de Barcelos e, por coincidência entrevistamos uma funcionária, Fernanda Franco, retornada, ao qual vamos posteriormente descrever o seu testemunho, mas sendo Socióloga foi quem deu o apoio técnico na pesquisa de informação para a exposição “Barcelos: a oposição Democrática e o 25 de Abril de 1974”. Muito simpática e prestativa, deu-nos um grande apoio sobre a informação necessária e fidedigna que recolheu nos jornais “O Barcelense” (de 1974 a 1976), “Jornal de Barcelos" (de 1974 a 1976) e do jornal “Voz do Minho” (de 1974 a 1976); revista “Visão História” (n.º 23, março 2014); e outras fontes impressas, sendo toda a informação recolhido tratada pelo Dr. Victor Pinho, Diretor da Biblioteca Municipal de Barcelos, sendo também o mentor da exposição. Assim, de uma forma muito sucinta, retrataremos alguns momentos de oposição democrática na nossa cidade, que se encontram descritos no caderno explicativo da exposição “Barcelos: A oposição democrática e o 25 de Abril de 1974.
Contextualizando, o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota do nazi-fascismo fortaleceu as oposições e a unidade entre si na luta contra o salazarismo. Em Agosto de 1945, Salazar convocou eleições para 18 de Novembro, de modo a permitir uma “oposição vigiada”.
Os oposicionistas barcelenses aderiram ao MUD – Movimento de Unidade Democrática.
Após as irregularidades das eleições legislativas de 18 de novembro de 1945, ficou demonstrado que o regime não estava disposto a aceitar uma verdadeira liberalização. Para complicar, a partir de 1947, com o novo clima de “Guerra Fria”, houve uma intensificação da repressão com a prisão de muitos dirigentes do MUD e do MUD-juvenil. Foi o caso do barcelense Manuel lemos da Silva, membro deste último organismo.
No entanto, a oposição barcelense sempre esteve ativa, desde apresentarem listas e candidatos para as eleições legislativas de 18 de novembro de 1945, 13 de novembro de 1949, 4 de novembro de 1957, 12 de novembro de 1961, 7 de novembro de 1965, 26 de outubro de 1969 e 28 de outubro de 1973. Os barcelenses organizaram encontros de republicanos e democratas (5 de outubro de 1957 nos Paços do Concelho em Barcelos); sessões de propaganda, pelos candidatos independentes, no Teatro Gil Vicente (28 de outubro de 1957); homenagens aos republicanos do 31 de janeiro de 1891 (1958), onde participaram mais de duzentas pessoas deste concelho e de várias terras do país; concentrações de apoio ao General Humberto Delgado (30 de maio de 1958) e manifestos democráticos subscritos por barcelenses.
O 25 de Abril de 1974 faz substituir as autoridades locais. Depois do golpe de Estado, a 20 de maio de 1974, foi nomeada a Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Barcelos, presidida pelo Dr. José António Faria Torres até 18 de março de 1975, data em que se demitiu. A 14 de janeiro de 1977, tomava posse o Dr. João Baptista Machado (PPD/PSD), advogado barcelense, democrata anti-fascista, o primeiro presidente da Câmara Municipal de Barcelos eleito na sequência das primeiras eleições autárquicas realizadas em 12 de dezembro de 1976. O candidato do Partido Socialista foi o Dr. Jorge Quinta, médico e democrata anti-fascista.
Período Revolucionário
No período revolucionário, houve algumas greves na cidade de Barcelos, muitos barcelenses iam para as ruas com os cravos, a cantar com bandeiras e a gritar frases emblemáticas relacionadas com a liberdade. Estas greves eram organizadas pelos sindicatos. Irene Rodrigues Duarte conta que não falhava a uma greve e lembra com entusiasmo esses momentos.
Na continuação da entrevista com João Lourenço, e quando questionado sobre os momentos mais marcantes em Barcelos nesse período. João Lourenço fez referência ao 28 de setembro de 1974, aquando da organização da manifestação spinolista da “Maioria Silenciosa”. Os não democratas barcelenses organizaram-se para irem à manifestação, influenciados pelo MDLP. Na sequência desta tentativa dos barcelenses se deslocarem a Lisboa para a manifestação, foram barrados por apoiantes do MFA que se organizaram para fazer uma mobilização civil às pessoas que iam à manifestação. A partir deste momento, o partido comunista ganhou mais força, começou a controlar grande parte dos sindicatos e comissões administrativas municipais, principalmente no Sul.
Numa breve explicação de João Lourenço, o MDLP ou Movimento Democrático de Libertação de Portugal, foi um movimento de extrema-direita liderado pelo General Spínola, que juntava muita gente no Norte do país, pela característica de o Norte ser mais conservador. Este movimento e a sua respetiva força armada, o ELP, ganhou mais força, como consequência da viragem do país à esquerda, assim, começaram a incendiar, no Norte, sedes comunistas e até algumas de socialistas.
Sobre a consciência política barcelense, grande maioria dos jovens eram mais ativos, o próprio João Lourenço, em finais de 1974 ou inícios de 1975, aderiu ao Movimento da Esquerda Socialista e tornou-se mais ativista. Explicou que em 1975, os partidos barcelenses já estavam mais organizados: PPD, Partido Popular Democrático; o PS, Partido Socialista; e o PCP, Partido Comunista Português. Com sede, mas com pouca influência tínhamos o MES, Movimento da Esquerda Socialista; o PRP, Partido Revolucionário do Proletariado, sendo o partido mais forte à esquerda do PCP; e o UDP, União Democrática Popular.
Ainda no seguimento da luta do MDLP, João Lourenço, relembra que, em 1975, queriam neutralizar as sedes de outros partidos, incendiando-as, conseguindo mesmo fazê-lo em Braga e Famalicão. Em Barcelos, não conseguiram porque nesse verão todos os partidos de esquerda barcelenses mobilizaram-se para evitar que isso acontecesse, defendendo-se uns aos outros, com piquetes nas sedes e vigias durante a noite, alguns até armados. Numa noite verificou-se que havia um invulgar movimento de carros, podendo ser indício que estaria para breve uma tentativa de ação. A solução, engenhosa, passou por propagar um boato de que as sedes estavam armadilhadas e que se alguém entrasse poderia morrer. Resultou! Não houve qualquer atentado.
Sobre o 25 de novembro. João Lourenço explicou que em Barcelos não houve grandes manifestações, simplesmente os partidos à esquerda do PS sentiram-se derrotados e os partidos à direita do PS sentiram-se vitoriosos. No entanto, relembra um momento de maior tensão, aquando de um comício do PPD em Barcelos, que sofreu uma tentativa de boicote por pessoas afetas ao PCP, UDP, PRP e ao MDP. O Comício do PPD realizou-se na mesma, mas houve uma contramanifestação violenta, com apedrejamentos, sendo necessário a intervenção da polícia que teve mesmo de disparar para o ar.
A nível do Poder Autárquico, Constatamos que à semelhança do que se passa no plano político do Governo, a Câmara Municipal de Barcelos tem o mesmo sistema de rotatividade entre os 2 maiores partidos PS/PSD, estando nos últimos 3 mandatos com o PS, a partir de 2009, mas desde as primeiras eleições autárquicas, realizadas a 12 de dezembro de 1976, sempre foi PSD.
Todos os entrevistados consideraram o voto como um dever, independentemente se lhes agrada a composição do boletim. Julgamos ser uma questão pertinente, tendo em conta que foi um dos direitos obtidos. É importante referir que a maioria dos entrevistados, consideram que o 25 de Abril trouxe à população muitas vantagens, como o direito a férias e respetivo subsídio; mais e melhores condições de trabalho; diminuiu a iliteracia; um Serviço Nacional de Saúde mais abrangente; mais liberdades e direitos salvaguardados. Estas foram as respostas mais facultadas pelos nossos entrevistados quando questionados sobre o que trouxe para Barcelos o 25 de Abril de 1974.
Mas também tivemos testemunhos saudosistas desses tempos, dois entrevistados, afirmaram estarem desiludidos com o caminho que a democracia em Portugal foi tendo ao longo tempo. As principais queixas estão relacionadas com a corrupção do país; o valor alto dos impostos e o facto de já não haver respeito, por respeito entendeu-se o aumento da criminalidade, violência, desrespeito pelos direitos dos idosos.
Barcelos e a descolonização
A notícia da revolução em Portugal, em 1974, apanhou de surpresa os portugueses que viviam nas "Províncias Ultramarinas". Em poucos meses, cerca de 500 mil a 600 mil portugueses tiveram que fugir naquela que foi considerada a maior ponte aérea e marítima da História. Foram muitos os relatos de descriminação por parte dos portugueses em relação aos “retornados” ou "refugiados", como muitos autores defendem.
Um estudo da Universidade do Minho, de Susana patrícia de Oliveira Vieira, apresenta dados do alojamento dos retornados, no qual o distrito de Braga absorveu uma percentagem de 3,22% do total de população “retornada”, mais propriamente Barcelos tinha 3 345 retornados em 1976.
Laurinda Lopes, 65 anos, uma das nossas entrevistadas, relembra que os retornados foram bem recebidos na localidade, que tinham mais estudos e por isso conseguiram bons empregos e colocações em funções públicas. Talvez muita revolta do povo adviesse daí, concluiu Laurinda Lopes.
Conseguimos entrevistar uma retornada na feira de Barcelos, chegou a Portugal ainda criança, reviveu a época com pesar, pois sofreu muito preconceito na escola, que a mandavam para a terra dela, que este não era o lugar dela.
Outra entrevistada, Fernanda Franco, 57 anos, veio de Moçambique para Portugal aos 12 anos, já em 1975. Sendo assim “refugiada” porque nasceu em Moçambique. Veio com os seus pais, funcionários públicos, sendo estes “retornados” pois voltaram para o país de origem. Fernanda Franco, teve a sorte que muitos “retornados” não tiveram, a sua família já tinha mais possibilidades. Relembra que os bens foram deixados em África, mas conseguiram trazer num contentor o recheio de uma casa. Os pais, como funcionários públicos, ainda tiveram que voltar a África a serviço do Estado (voltando a mãe em 1976 e o pai em 1977). Apesar de jovem, lembra com saudades África, reconhece que os efeitos da guerra foram sentidos enquanto lá estava, sentiram privações e alguma insegurança. Quando questionada sobre se havia manifestações de racismo, comentou que havia de tudo, famílias amigas e respeitadoras e outras famílias que se consideravam mais superiores, acima de tudo concluiu que tudo dependia dos valores com que eram educados. Sobre a Mentalidade dos retornados e dos barcelenses, sentiu uma grande diferença. Foi necessário adaptar-se ao modo de falar, ficou muito surpreendida com os palavrões utilizados. Quando questionada se houve alguma manifestação negativa da parte da população, relembrou que tinha conhecimento de algum sentimento de desprezo pelos retornados, muitas vezes acusados de virem roubar os empregos.
Maria Olinda Coelho, 84 anos, também retornada. Veio com o seu marido, e referiu que foi muito bem acolhida na freguesia. Os primeiros anos foram de muitas dificuldades, pois chegaram sem nada, mas a ajuda e amizade dos vizinhos muito ajudaram para que tudo se endireitasse.
O que mudou
Em termos de estruturas, Barcelos, após o 25 de Abril de 1974, ganhou centros de saúde, pavilhão desportivo (no seu lugar havia um ringue desportivo) e mais estabelecimentos de ensino.
Também verificamos, nas nossas pesquisas, que como aconteceu um pouco por todo o país, nomes de ruas ou avenidas que tinham uma forte carga simbólica relacionada com o Estado Novo sofreram alterações. Em Barcelos, mais propriamente, descobrimos a mudança do nome de uma avenida localizada no centro da cidade, que ainda hoje existe, mas com grandes alterações e uma delas é o seu nome, deixou de se chamar Avenida Doutor Oliveira Salazar, para ficar conhecida como Avenida da Liberdade.
Fotografia antiga da Avenida da Liberdade, outrora Avenida Dr. Oliveira Salazar.
Mentalidade e comportamentos antes e pós o 25 de Abril de 1974
A título de curiosidade, iremos abordar algumas proibições do período do Estado Novo, debatendo com testemunhos reais da época que fomos recolhendo com entrevistas que fizemos a algumas pessoas de Barcelos. Para isso, teremos como referência o livro Era proibido, de António Costa Santos, porque o autor descreve algumas proibições durante esse período e como era uma realidade sentida em todo o país, obviamente, também se refletiu na nossa localidade que é Barcelos.
Convém relembrar que, como característica geral deste período, a nossa sociedade não se podia exprimir livremente porque o regime, através da censura, Igreja, ensino, polícia política e propaganda, conseguia manter uma aparente paz. A partir da década de 60, começaram as lentas transformações e que lentamente foram levando à queda deste regime autoritário e opressor.
Era proibido ler certos livros. As livrarias eram vítimas de rusgas frequentes, mas, durante anos, certos livros foram lidos às escondidas. Até 1974, a censura prévia não se aplicava aos livros, primeiramente eram editados e distribuídos e só depois de lidos pelos censores é que estes poderiam recomendar a sua proibição. Por isso, qualquer editor pensava muito bem antes de imprimir os exemplares de uma obra.
Numa das nossas entrevistas, Rosa do Alves, 82 anos, lembra que todos os meses chegava à freguesia a biblioteca itinerante e lia principalmente livros de contos de fadas. No entanto, havia sempre uma forma de arranjar um livro de leitura proibida e que muitas vezes era disponibilizado por essas bibliotecas itinerantes. Confessou que nunca o fez, e quando alguém lhe dizia para ler, argumentava que não era leitura do interesse dela. Talvez por medo de represálias.
A modificação radical da vida cultural e costumes dos portugueses vieram com o fim da censura, com a aquisição da liberdade de expressão, com o alargamento da escolaridade obrigatória, e a maior circulação de informação entre o país e o estrangeiro. Os jornais já podiam exprimir livremente as suas opiniões, assim, a abertura da comunicação social contribuiu a par da liberdade de expressão para um maior conhecimento do que se passava no mundo. A generalidade da população passar a ter mais acesso à cultura, pois começaram a ter mais contacto com espetáculos e artistas que outrora tinham sido proibidos. Tudo isto contribuiu para uma renovação de valores, comportamentos e costumes. Rosa do Alves, que sempre gostou de ler, lembra dos tempos em que somente tinham disponível o jornal “O Lavrador” que vinha da casa do povo. Hoje em dia, em Barcelos, temos o jornal “Barcelos Popular”, o “Jornal Barcelos”, entre outros jornais online.
As proibições eram muitas, também era proibido não cobrir a cabeça quando se entrava numa igreja, de preferência com um véu ou lenço. Não era lei, mas a sociedade reprovava quem não fizesse.
Rosa do Alves, lembra que em 1954, alguns padres já deixavam que as mulheres fossem sem lenços. Como era uma mulher muito ativa, nas reuniões de jovens, promovidas pela paróquia e muitas vezes dirigidas por ela, incentivou os jovens a convencer o padre da Freguesia, Padre Clementino, e que este permitiu que assim fosse. Acrescentou que nas missas, homens e mulheres não se misturavam (homens à frente e as mulheres na parte de baixo). Inconformada com este costume tão antiquado, conseguiu convencer o mesmo padre, sendo a próxima missa um “reboliço”, porque algumas jovens misturaram-se com os homens e os fiéis não tinham sido avisados da permissão. Os olhares escandalizados dos homens só sossegaram quando o padre informou que tinha autorizado a mudança.
As mudanças que a partir dos anos 60 se faziam sentir em todo o mundo também tiveram os seus reflexos em Portugal. Penetraram na sociedade portuguesa de forma muito cautelosa. A minissaia era impensável, as meninas não podiam entrar na escola com saias sem serem plissadas ou com pregas, e calças nem pensar. Também não era uma lei escrita, como explica o autor António Costa Santos no livro Era Proibido, mas as contínuas das escolas zelavam e controlavam o cumprimento da vestimenta. Nas ruas, era raro, mas de vez em quando apareciam as minissaias e calças femininas, mais a partir dos finais dos anos 60, como lembra Rosa do Alves.
Com a entrada dos anos 70, a chamada “Primavera Marcelista”, já houve uma abertura fundamental no vestuário escolar e do dia-a-dia. A um ritmo lento, mas continuado, a mulher foi conquistando uma maior relevância social. Em número crescente, mulheres e raparigas chegavam ao mundo do trabalho e à Universidade. A convivência entre os dois sexos tornava-se mais comum e mais liberta. A rapariga deixava de estar confinada ao lar e passava a conviver abertamente com os rapazes.
Mas voltando às proibições do Estado Novo e insistindo nas escolas, é do conhecimento comum que as meninas tinham aulas num edifício separado do edifício dos meninos, não podendo confraternizar nos intervalos. Só nos finais dos anos 60, início dos anos 70, algumas escolas começaram a permitir que meninos e meninas tivessem aulas na mesma sala.
Amélia do Alves, irmã da Rosa do Alves, foi contínua numa escola até à idade da sua reforma. Conta que nesses tempos, os meninos iam descalços para a escola, com pouca roupa no inverno, muitas vezes mal alimentados, o que dificultava a aprendizagem. Para agravar a situação, como era costume os castigos severos, muitas crianças não queriam ir para a escola. Explica que a vida, nesses tempos, era muito simples assim como a alimentação. No entanto, nas zonas mais rurais, na aldeia, como era habitual as famílias terem uma porção de terra, cultivam e ajudavam os mais pobres num grande espírito de solidariedade. Esta realidade foi retratada por mais entrevistados.
O autor do livro Era Proibido, faz referência à Coca-Cola, uma bebida que foi permitida na I República, mas com o Estado Novo e com a associação do refrigerante à cocaína, Salazar impediu a entrada desta bebida no mercado português, com o receio de uma invasão do “american way of life”. A predileção ia para outras bebidas portuguesas porque tinham que priorizar as produções nacionais, como o vinho, bebida indispensável nas casas e consumida em quase todas as refeições. Como lembram as irmãs Alves, os homens bebiam vinho e as mulheres meio vinho (vinho misturado com água) e se uma casa tivesse vinho, umas galinhas e um porquinho, já dava para governar uma casa.
Sobre a emancipação feminina em Portugal, esta demorou a chegar. A sociedade do Estado Novo, mantinha a mulher como dependente do marido. Por exemplo, a mulher casada não podia sair do país quando lhe apetecesse, estava sujeita à autorização do marido. Este estatuto era aprovado pela Constituição de 1933. A mulher casada só teve direito a passaporte individual em outubro de 1969, com a “abertura marcelista”.
Artigo 5.º, Parte I das Garantias Fundamentais, Título I, Constituição de 1933
Era proibido usar biquíni, e a lei assim o exigia, os homens deveriam usar camisola e calção com corte inteiro, justo à perna e reforço interno da parte da frente, e justo à cintura cobrindo o ventre; o fato de banho das senhoras deveria ser inteiro e cobrir a barriga, não podendo ter decote generoso. As irmãs Alves, acrescentam que iam com a roupa, sem biquíni ou fato de banho. As senhoras com a sua saia arregaçada até ao meio da perna, os senhores arregaçavam as calças até aos joelhos. Ir à praia era muito raro, apesar de viverem a poucos quilómetros da praia. Relembram o ritual no dia 24 de agosto, no dia de S. bartolomeu do mar, em que as crianças deveriam mergulhar em três ondas com a ajuda de um banhista, as crianças de camisa comprida, secavam ao sol com a camisa vestida. As irmãs ainda se lembram do medo das ondas.
As primeiras mudanças, muito pontuais, começaram em 1940. Portugal começou a receber refugiados de toda a Europa que fugiram da II Guerra Mundial e trouxeram novos hábitos, sobretudo as mulheres que iam sozinhas aos cafés, fumavam como os homens e exibiam as suas minissaias nas esplanadas do Rossio, em Lisboa. Em maio de 1941, o ministro Mário Pais de Sousa decidiu tomar providências no sentido de salvaguardar o «mínimo de condições de decência» nas praias portuguesas. Foi "Sol de pouca dura".
No número 5 do artigo 13º é dito:
Em ordem à defesa da família pertence ao Estado e autarquias locais tomar todas as providências no sentido de evitar a corrupção dos costumes”.
É na senda deste artigo que, durante o Estado Novo, são promulgadas uma série de leis, cujo objetivo seria o de proteger os bons costumes.
Mudanças mais significativas sentiram-se bem mais tarde, quando os jovens portugueses de finais da década de 1960 e inícios de 1970, tinham contacto, através da televisão, com os ecos das revoltas e dos movimentos juvenis ocorridos noutros países, o que tornou inevitável mudanças na sociedade portuguesa. O automóvel generalizou-se, as populações do litoral iam com mais frequência à praia e gradualmente o uso do biquíni foi sendo adotado. Como lembra Laurinda Lopes, referindo que antes do 25 de Abril, nos anos 70, as jovens usavam biquíni, apesar de muitas ainda insistirem no uso fato de banho.
Era proibido o divórcio, este tinha sido admitido pela primeira vez em Portugal na I República, mas o Portugal do Estado Novo assumiu com a Santa Sé uma concordata. Assim, o Portugal do Estado Novo, no que concerne ao divórcio, assumia duas posições: os casamentos laicos dissolviam-se legalmente, as uniões religiosas eram para toda a vida.
As irmãs Alves relembram, que não se falava em divórcio, era assunto tabu, os casais que não se entendessem separavam-se, muito raramente. Descreveram, com risos, a tentativa de um casal em se separar, o marido consultava constantemente o padre com queixas da esposa, mas nunca conseguiram autorização e lá tiveram que “solucionar” as suas adversidades. Outra situação foi retratada pela Laurinda Lopes, 64 anos. Referiu que, quando comprovado pelo regedor da freguesia que havia maus tratos, era concedida a autorização de separação aos casais, era muito raro, a vergonha e o facto de a família não aceitar ou acolher novamente levavam muitas mulheres a aceitarem a sua condição. Mas houve alguns casos e, em algumas situações, as mulheres fugiam de casa.
Após o 25 de Abril de 1974, assistimos a uma nova visão da família, a mulher casada que deveria dedicar-se às funções de mãe e educadora dos filhos e cuidar do lar, deixou de aceitar a visão tradicional do marido como chefe a quem devia obediência. A grande mudança provém da sociedade que passa a aceitar esses comportamentos que até então eram condenados. Em muito contribuiu as emissões regulares da televisão, a 7 de março de 1957, assim, os portugueses iam conhecendo as mudanças e progressos que aconteciam no mundo. E que de uma certa forma contribuiu para o descontentamento em relação ao regime.
Também era proibido andar descalço na via pública, uma vez que esse era sinal de pobreza extrema, mas na sua maioria, as crianças andavam descalças, iam para a escola descalças, que só frequentavam até à 3.ª classe (obrigatório) e até à 4.ª classe. Segundo os dados apresentados num documentário da RTP, 40% dos portugueses era analfabetos, poucos chegavam ao secundário e à universidade. Quando saíam da escola, era muito comum as crianças irem servir e depois procuravam trabalho nas fábricas que era visto como uma grande sorte, para assim ajudarem as suas famílias, que eram muito numerosas na altura.
No documentário da RTP, representando um "retrato social", por António Barreto e Joana Pontes. Comparando com 1960, só uma em cada sete crianças tinha assistência médica no nascimento. A maior parte nascia em casa, com ou sem ajuda de parteiras, éramos dos países da Europa com maior mortalidade infantil. As irmãs Alves, relembram que não se ia ao médico regularmente, quando muito necessário, os médicos particulares vinham às residências, ou tinham que caminhar até Barcelos para serem vistos nos seus consultórios particulares. Não havia Centro de Saúde, mas sim o sanatório que servia para os doentes com doenças infeciosas como tuberculose e pneumonias. O Hospital que existia, hoje serve para consultas externas e foi inaugurado o novo edifício a 25 de junho de 1970.
No mesmo documentário, é traçado um retrato em tudo aplicado à realidade de Barcelos, a maior parte da população trabalhava na agricultura, muito rudimentar, eram raras as máquinas agrícolas, por isso, produziam pouco. Em grande parte do Concelho de Barcelos, faltava a água canalizada, dependendo da zona, normalmente ia-se buscar água ao poço ou à fonte; a eletricidade não chegou a todos (nos anos de 1950, começaram nas ruas e algumas casas), à noite utilizava-se um candeeiro a petróleo; e os esgotos, só nas cidades.
Na zona de Barcelos predominavam as culturas em minifúndio. Nas freguesias havia poucas fábricas, mais ligadas à cerâmica, enquanto que as têxteis estavam concentradas em Barcelos, como a fábricas Tebe e TOR.
Testemunhos recolhidos por entrevistados na cidade de Barcelos relembram que o trabalho infantil era proibido antes dos 12 anos, mas muitos empregavam-se nas fábricas antes dessa idade. Com Marcello Caetano a idade para trabalhar passou a ser aos 14 anos. As famílias numerosas tornavam ainda mais difícil o sustento, pelo que era normal que, após o término dos estudos, as crianças se empregassem nas fábricas. Por lei era proibido o trabalho noturno dos menores na indústria, mas como a lei era desrespeitada com frequência, assim que surgisse uma fiscalização, as crianças, escondiam-se em caixas. Ou como lembra Francisco Vale, 67 anos, quando soubessem que a fiscalização chegava tinham que fugir para as bouças, pois nas freguesias, nas fábricas de cerâmica, era muito comum o desrespeito à lei do trabalho de menores. Por noite, entendia-se um período de 11 horas consecutivas de trabalho.
Proibição trabalho noturno de menores, Carta de confirmação e ratificação de 16 de setembro, 1932 sobre o decreto n.º20992, de 25 de novembro de 1931.
Continuando nas proibições examinadas no livro Era proibido, temos a referência ao que era considerado crimes de atentado à moral pública e aos bons costumes, que eram severamente punidos em Portugal. Por exemplo, qualquer manifestação de afeto entre cidadãos de sexo oposto, como um beijo, era considerado um ato exibicionista atentatório da moral. Para casais do mesmo sexo, a vida era muito mais difícil. A homossexualidade era proibida sendo considerada uma doença mental, aliás como em muitos países daquelas épocas, era tratada num manicómio podendo haver internamentos judiciais, em alguns casos. Mesmo com o advento da democracia, os olhos reprovadores mantiveram-se e ainda hoje em dia podemos considerar que a sociedade ainda tem algum trabalho a fazer no que toca à tolerância da homossexualidade. Apesar de, evidentemente, as coisas serem muito diferentes comparadas com aquela altura, houve conquistas muito importantes, como a aprovação do casamento homossexual e a possibilidade de adotarem, apesar de em Portugal, a lei que permite a adoção por casais do mesmo sexo só ter sido aprovada a 29 de fevereiro de 2016.
As proibições não ficam por aqui, teríamos muito que falar, no que concerne a ouvir certos discos, vale a pena referir alguns pontos, também mencionados no livro É Proibido. Durante a ditadura e especialmente a partir de 1961, o ano em que começou a Guerra Colonial, época da crise académica, em Coimbra e Lisboa, a música foi uma arma, tendo o regime que instalar a censura nos discos, impedindo até a realização de espetáculos.
Durante as entrevistas, algumas pessoas lembravam-se das músicas de Zeca Afonso, que eram cantaroladas à noite, com muita cautela. No entanto, a maioria dos entrevistados, não conheciam as músicas no tempo da censura. Só após o 25 de Abril de 1974 é que era habitual ouvir nas rádios e nas várias greves e manifestações que se seguiram, pois eram cantadas em coro pela população. Uma entrevistada, Irene Rodrigues Duarte, lembra que após o 25 de Abril, na fábrica onde trabalhava, em Barcelos, as funcionárias cantavam as músicas com o desagrado do patrão, mas naquela época o espírito revolucionário estava muito presente e não era considerado normal não aderir a este tipo de manifestações, como se fosse um grito de liberdade, um finalmente exteriorizar o que se sentia após tantos anos de censura e repressão.
Sobre os ajuntamentos, durante 48 anos, os portugueses podiam reunir-se livremente nos estádios de futebol e celebrações religiosas. Fora essas situações, todo o controle era mais apertado e precisava de autorização. Rosa do Alves, recorda o momento em que quase foi presa, já pós 25 de Abril de 1974, em pleno período revolucionário. Numa reunião religiosa com 150 pessoas, foram surpreendidos por Guardas que tinham recebido uma “acusa”, na lista que traziam consigo constava o nome da Rosa do Alves e só após longas explicações é que puderam respirar de alívio. Felizmente tudo correu pelo melhor.
Sobre o voto feminino, só depois do 25 de Abril de 1974 é que o direito de voto se tornou universal em Portugal. Até então, Salazar, em 1934, possibilitou o sufrágio feminino e a elegibilidade para a Assembleia Nacional e para a Corporativa, com várias restrições. No período de Marcello Caetano, em 1968, o número de votantes foi alargado a todos os que soubessem ler e escrever.
“São eleitores da Assembleia Nacional todos os cidadãos portugueses, maiores ou emancipados, que saibam ler e escrever português e não estejam abrangidos por qualquer das incapacidades previstas na lei; e os que, embora não saibam ler nem escrever português, tenham já sido alguma vez recenseados ao abrigo da Lei 2015, de 28 de Maio de 1946, desde que satisfaçam aos requisitos nela fixados”
Diário do Governo n.º 303/1968, Série I de 1968-12-26.
No livro Proibir, e como não poderia deixar de ser, há muitas referências sobre o papel das mulheres. Não existiam somente as proibições do Governo, mas a própria sociedade, sendo mais tradicional e conservadora, reprimia certos comportamentos, mantendo costumes, que também não convinha desconstruir. Como podemos verificar, as mudanças foram profundas. Embora existam alguns resquícios dos preconceitos dos outros tempos, é evidente a grande transformação na mudança de pensamento e comportamento que a nossa sociedade teve.
Um dos mais importantes traços da sociedade atual é a integração da mulher na sociedade ativa. Nos anos 60 começou a mudança. Com os homens a trabalhar na construção, a viver na emigração, ou a cumprir o serviço militar na guerra de ultramar, as mulheres tiveram de trabalhar fora de casa. Procurar emprego foi para as mulheres uma situação nova, mas só com a democracia deixou de haver profissões fechadas às mulheres.